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Símbolos
1916
- Levante da Páscoa:
O
Nascimento da Irlanda Moderna
Só mesmo
a ambígua alma irlandesa pode explicar que, com o início
da I Guerra Mundial, a Irlanda tenha fornecido mais voluntários
para as tropas britânicas do que qualquer outra região do
Império.
O ano de 1916
começa com a Europa mergulhada na Primeira Grande
Guerra, e o Império Britânico – ainda poderoso apesar
de decadente - via-se em meio a conflitos militares não só
no continente europeu mas também no Oriente, onde começavam
as primeiras manifestações em busca da independência
da Índia. A manutenção de um império tão
vasto quanto o britânico certamente envolve o constante uso de força
– seja administrativa, seja militar. E essa força era demonstrada
pela superioridade da Marinha Real e das bem treinadas tropas do exército
britânico.
Esse exército,
como já vimos, era composto por voluntários oriundos de
todos os territórios administrados pela Coroa Britânica –
especialmente da Irlanda, que ofereceu o maior número de soldados
para o conflito mundial. É no mínimo curioso que, no mesmo
ano em que milhares de irlandeses davam suas vidas para defender o Império
Britânico, um pequeno grupo de ideólogos e poetas resolvesse
proclamar a independência da Irlanda.
Enquanto os
soldados irlandeses das divisões Royal Inniskilling Fusiliers,
Royal Irish Rifles, Royal Munster Fusiliers e Royal Dublin Fusiliers
avançavam a duras penas em território francês e alemão
em nome do Império Britânico, na Irlanda já despovoada
de homens em idade militar (duzentos e cinqüenta mil irlandeses
se haviam alistado no exército britânico) algumas
facções se organizavam para um levante que tencionava proclamar
a República Irlandesa. Entre os líderes desse movimento,
o socialista James Connolly (ele próprio um ex-soldado
britânico) e os jovens Thomas MacDonagh, Joseph Plunkett
e Peadráig Pearse – todos poetas.

Os líderes do
Levante da Páscoa - a maioria executada pelos britânicos
por traição.
A
Poética da Rebeldia
Parece
adequado que, numa terra em que a poesia é sagrada desde os tempos
dos bardos celtas, uma das mais dramáticas páginas de sua
história fosse escrita e protagonizada por três poetas,
imbuídos em um senso de dramaticidade e simbolismo próprio
de quem faz da inspiração seu ofício. Liderando pequenas
e mal armadas milícias, no dia 24 de abril de 1916 - Domingo de
Páscoa - esses poéticos visionários tomaram alguns
prédios no coração de Dublin – entre eles as
Quatro Cortes e o prédio dos Correios (G.P.O.,
General Post Office), que viria a ser o quartel general da insurreição.
Era evidente
desde o início, até mesmo para seus líderes, que
o “Levante da Páscoa” - como ficou
conhecido o movimento - terminaria em derrota e sangue. Após poucos
dias, durante os quais os líderes rebeldes ficaram isolados no
interior do G.P.O. até serem rendidos pelos britânicos, os
poderosos músculos do Império, já flexionados pelo
conflito continental, trataram de debelar o movimento.
Em momento
algum houve adesão da população de Dublin que, a
princípio, mostrou-se indiferente, para depois condenar abertamente
a rebelião. Ainda não havia na Irlanda um sentimento comum
de nacionalismo.
Edifício na Rua Earl desaba
após bombardeio britânico.
Breve, todos
os líderes rebeldes estavam presos e, ao serem conduzidos pelas
tropas britânicas pelas ruas de Dublin, eram vaiados e ofendidos
pela população, que lhes atirava legumes podres e fezes,
aos gritos de ‘fuzilem os traidores!’
Essa postura
dos irlandeses é compreensível: afinal, muitos ali tinham
filhos, irmãos, pais e esposos em combate contra os alemães
na Europa – menos de um mês depois, na sangrenta Batalha de
Hulluch (Alemanha), centenas de irlandeses morreriam vítimas do
gás venenoso usado pelos soldados alemães.
O fato de os
líderes do Levante da Páscoa terem procurado o auxílio
dos alemães para patrocinar sua rebelião realmente soava
como traição - não só à Coroa Britânica,
mas principalmente às famílias dos voluntários irlandeses
que a defendiam.
À Esq., panorama da Rua Sackville (hoje Rua O'Connell), em 1905
- vê-se colunas do G.P.O.;
À dir., o que restou do G.P.O. após o bombardeio britânico.
À
primeira vista, o saldo do Levante foi negativo: seus líderes foram
julgados e fuzilados, o centro de Dublin foi arrasado pelas bombas lançadas
de um navio de guerra britânico que subiu o rio Liffey e a população
irlandesa jamais aderiu ao Levante – muito ao contrário,
ela apoiou os soldados britânicos que foram deslocados para Dublin
para abafar a rebelião - há relatos de senhoras irlandesas
que recebiam os soldados britânicos com xícaras de chá
e biscoitos.
Mas o tempo mostrou que, como costuma ocorrer com os poetas, as visões
de Connolly, McBride, MacDonagh e, sobretudo, Pearse, não eram
assim tão descabidas.

"Não servimos nem ao Rei, nem ao Kaiser,
somente à Irlanda"
O slogan do "Exército de Cidadãos Irlandeses"
atesta a luta de um povo em busca de sua identidade e independência
E também
como costuma acontecer com os poetas, leva algum tempo para que sejam
verdadeiramente compreendidos. Gradativamente, a partir das execuções
de seus líderes, o Levante da Páscoa de 1916 ultrapassa
as páginas da História e mergulha nos domínios dos
mitos e da poesia. A cada execução – entre os dias
três e doze de maio – a população passava do
desprezo à simpatia; desta ao apoio; e do apoio, por fim, ao engajamento.
Como também costuma acontecer com os poetas, é preciso que
deixemos de lado a simplicidade tacanha dos fatos ‘concretos’
para entender o real sentido das coisas. Em seus versos, Pearse deixa
clara a sua visão: ele e seus colegas revolucionários seriam
‘mártires’ – para ele, não há revolução
sem que o sangue corra.
Pode-se dizer
que Pearse e seus companheiros tinham consciência de que morreriam,
e que o sucesso de sua empreitada, poeticamente, dependia justamente de
que seu sangue fosse derramado. A princípio, os irlandeses não
pensaram assim: para o grande público, os rebeldes eram tão
somente aventureiros, traidores, loucos. Pouco a pouco, porém,
passaram a se identificar com aqueles jovens poetas e sindicalistas –
desenvolveram, no sentido literal da palavra, compaixão: sentiram
suas dores. Sentiram seus sonhos. E viram que não eram sonhos ruins.
Por fim, como
costuma acontecer com os poetas – especialmente os poetas irlandeses
– por vezes é preciso que um outro poeta traduza aos demais
as poderosas mensagens que os sonhos revelam. Assim é que o Levante
da Páscoa de 1916 foi eternizado nos versos de um – mais
um! – gênio irlandês:
Conheci-os à luz
do dia
Caminhando com luz no seu rosto
Desde balcões ou mesas, entre cinzentos
Casarões do Século Dezoito.
Passei
por eles com um aceno
Ou educadas palavras vazias,
Ou detive-me por um tempo, antes de dizer
Educadas palavras vazias,
E pensei antes de fazer
Uma anedota ou gracejo
Para agradar a um parceiro
À lareira, no clube,
Com a certeza de que, em comum entre eles e eu
Somente o vivermos onde se veste mal:
Tudo mudou, mudou totalmente:
Uma terrível beleza nasceu.
Os dias daquela senhora
se passaram
Em boa-vontade inocente, louca
Suas noites, as discussões lhe gastaram
Até deixar sua voz quase rouca.
Que voz mais doce que a dela
Quando, ainda jovem e bela
Ela cavalgou com salteadores?
Este homem mantinha uma escola
E cavalgou nosso corcel alado;
Este outro, seu amigo e ajudante
Cavalga fiel a seu lado;
Ao fim, pode ter ganho renome
Tão sensível parecia sua essência,
Tão ousado e doce seu ideal.
Este outro homem em meu sonho
Um bêbado, vil e boçal.
Muitos danos amargos ele trouxe
A alguns a quem quero bem,
Mesmo assim, o incluo em meus versos;
Pois ele renunciou também
Sua parte na comédia casual;
Também ele, a modo seu,
Transformou-se de forma total:
Uma terrível beleza nasceu.
Corações
com uma só proposta
Parecem, no inverno e no verão,
Encantados como uma pedra
Que perturba o vivo ribeirão.
O cavalo a galopar pela estrada
O cavaleiro, as aves que voam
De nuvem a rolante nuvem,
Minuto a minuto, eles mudam;
Uma sombra de nuvem sobre o regato
Minuto a minuto se altera;
O casco de cavalo desliza na beira
E o corcel lança as águas para fora.
A galinha d’água mergulha
A fêmea a chamar pelo macho;
Minuto a minuto, eles vivem
E no centro de tudo, a rocha.
Um sacrifício muito longo
Pode transformar em rocha o coração.
Ah, quando será o bastante?
Isso cabe aos Céus, a nós:
Murmurar nome após nome,
Qual mãe diante do filho adormecido
Quando o sono finalmente recai
Sobre membros antes agitados.
O que é isso, se não o anoitecer?
Não, não, não é noite, é a morte;
Morte inútil, irão dizer?
Pois a Inglaterra pode manter sua fé
A despeito do que se disse e fez.
Deles sabemos os sonhos; basta
Saber que sonharam e estão mortos.
E se o excesso de amor
Cegou-lhes até a morte?
Escrevo num verso -
MacDonagh e MacBride
E Connolly E Pearse
Agora e em tempos por vir,
Onde quer que se traje o verde,
Eles mudaram, mudaram totalmente:
Uma terrível beleza nasceu.

“Easter, 1916”
- William Butler Yeats
Tradução: © 2008 – Claudio Quintino
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